Netflix e o novo “plot twist” tributário brasileiro: decisão do STF pode custar bilhões às gigantes do streaming



Foto: Ilustrativa

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) colocou o Brasil de volta no radar das grandes multinacionais do entretenimento, e não exatamente por causa de sua produção cultural. O julgamento do Tema 914, concluído em agosto e publicado em outubro de 2025, validou a ampliação da CIDE-Tecnologia, uma contribuição de 10% sobre remessas ao exterior relacionadas a royalties, licenças e serviços técnicos.

O impacto foi imediato. A Netflix, ao divulgar seu balanço global, revelou um ajuste contábil de US$ 619 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) diretamente ligado à decisão do STF. O anúncio sacudiu o mercado, derrubou as ações da companhia em Nova York e reacendeu o debate sobre o já conhecido “Custo Brasil”.

O que está em jogo

Criada pela Lei 10.168/2000, a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi ampliada em 2001 e 2007 para abranger pagamentos por transferência de tecnologia, serviços técnicos e assistência administrativa. Na prática, ela incide sobre remessas ao exterior que remuneram empresas estrangeiras por conhecimento, tecnologia ou uso de marcas e patentes.

O que o STF fez agora foi confirmar a constitucionalidade dessa ampliação. Com o acórdão publicado em 16 de outubro de 2025, a Corte abriu caminho para que a Receita Federal cobre valores represados, gerando uma onda de reavaliações fiscais, especialmente de empresas digitais que operam no país, como Netflix, Amazon, Google e Spotify.

Por que a Netflix foi a primeira atingida

O modelo de negócios da Netflix depende fortemente de contratos internacionais: licenciamento de conteúdo, tecnologia de streaming, suporte técnico e uso de algoritmos. Todos esses elementos envolvem pagamentos a outras subsidiárias do grupo no exterior. Com a nova leitura validada pelo STF, essas remessas passam a ser tributadas pela CIDE, e em muitos casos, também pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

“Não se trata apenas de mais um imposto, mas de uma mudança de patamar”, explica André Charone, contador tributarista e professor universitário.

“O Brasil está mostrando ao mercado internacional que vai cobrar tributos sobre qualquer operação que envolva tecnologia ou propriedade intelectual. Isso muda as regras do jogo para todas as empresas digitais.”

Segundo Charone, a decisão cria um “efeito cascata”: grandes plataformas precisarão rever contratos, recalcular margens e reavaliar preços, o que pode refletir em reajustes para o consumidor final.

Custo Brasil 2.0

A CIDE vem se somar a outros tributos que já pesam sobre o setor digital. Desde a Lei Complementar 157/2016, os serviços de streaming são tributados pelos municípios via ISS, o que já havia encerrado uma longa disputa com o ICMS. Agora, com a confirmação da CIDE sobre as remessas ao exterior, o Brasil passa a figurar entre os países com maior carga tributária efetiva para empresas de tecnologia.

“O discurso de modernização e digitalização esbarra em um sistema tributário que continua complexo, redundante e pouco previsível”, observa Charone.

“Enquanto outros países buscam simplificar regras, o Brasil segue criando camadas sobre camadas de impostos, e isso afeta a competitividade.”

Reações divididas

O governo e parte do setor público comemoraram a decisão. Para eles, a ampliação da CIDE representa mais recursos para ciência e tecnologia, já que a contribuição tem destinação específica.

Nos bastidores, porém, o sentimento é de apreensão. Escritórios de advocacia relatam aumento súbito na demanda de consultas e planos de contingência de multinacionais.

Tributaristas avaliam que o STF pode ter dado uma vitória de curto prazo ao Fisco, mas à custa de segurança jurídica. “Quando uma decisão muda o entendimento de contratos em vigor há anos, cria-se um precedente perigoso. O investidor internacional passa a ver o Brasil como um terreno instável”, resume Charone.

O que pode acontecer a seguir
  • Mais ações judiciais: empresas podem contestar a aplicação retroativa da CIDE.
  • Revisão de contratos: cláusulas sobre royalties e tecnologia precisarão ser reescritas.
  • Repasses ao consumidor: parte do custo deve chegar às mensalidades.
  • Impactos setoriais: plataformas menores podem perder competitividade e reduzir catálogo.
Charone aposta que 2026 será o ano de litígios tributários digitais.

“O streaming foi o primeiro a sentir o golpe, mas fintechs, marketplaces e empresas de software também serão afetadas. A decisão do STF cria uma nova fronteira de arrecadação, e de conflitos.”

A decisão do STF sobre a CIDE-Tecnologia não apenas mudou o balanço da Netflix. Ela redefiniu o campo tributário brasileiro para toda a economia digital. O país reafirma seu direito de tributar empresas globais, mas também reacende um debate antigo: como equilibrar arrecadação e competitividade em um mercado globalizado.

Como sintetiza André Charone:

“O Brasil precisa decidir se quer ser um polo de inovação ou um campo minado tributário. Até agora, parece querer os dois.”

Sobre o autor:

André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).

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